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Oficinas do Paranoá, 2018, reflexões de formação docente


No segundo semestre de 2018, os alunos André Whilds e Laíse Cabral cursaram a disciplina Estágio Pedagógico Supervisionado com a professora Gláucia Figueiredo. Realizamos o estágio na escola CEM 01 do Paranoá, com a supervisão do professor de filosofia, e ex-aluno da UnB, Vinícius Sousa. Vinícus já trabalha com projetos da UnB há muitos anos, desde o PIBID, e a sua metodologia de aula comporta muitos projetos alternativos, como os Info-zine, pequenos fanzines, jornalzinho de uma página reproduzidos em xerox, produzidos pelos estudantes, que atualmente contam várias edições, sempre versando sobre temáticas comuns ao universo dos jovens.


A principal atividade proposta nesta disciplina foi a elaboração e aplicação de um projeto pedagógico filosófico em escolas de ensino médio onde os alunos estavam estagiando. Adotando como ponto de partida as atividades do grupo “A quem pertence a cidade?”, começamos a desenhar a oficina que pretendíamos trabalhar com a turma de terceiro ano que mais estávamos acompanhando durante o estágio. Uma das discussões centrais das aulas de estágio com a professora Gláucia era sobre a necessidade de resgatar nas aulas de filosofia a noção de utopia, pois esta vem sendo cada vez mais desconsiderada e vinculada a um ideal, por definição, irrealizável. Assim, um dos objetivos principais das oficinas deveria ser a de instigar o potencial crítico e político por meio de elaborações utópicas pela pluralidade de formas argumentativas, enquanto uma formação dos desejos e das aspirações de autorrealização individual e coletiva. Considerando a dinâmica proposta pelo projeto, o uso dos mapas da cidade enquanto suporte concreto para essas reflexões tornou-se ferramenta necessária para contrastar criticamente as pretensões utópicas dos envolvidos com sua situação social, isto é, entre a realidade e o imaginário social e político dos estudantes. Com isso, os principais resultados que esperávamos das oficinas eram de estimular essa capacidade imaginativa nos estudantes e romper com a limitação das perspectivas que os permitem ousar e querer mais, visto que o momento histórico e político atual é marcado por um certo fechamento no horizonte de possibilidades compartilhado coletivamente. A famosa referência que Eduardo Galeano faz de Fernando Birri serve aqui como estímulo ao projeto: “A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.”

Foto: Apresentação da atividade, segundo encontro: Lucas, Glaucia , André, Laise e Priscila



Uma vez com as intenções filosóficas e pedagógicas em mente, começamos a desenvolver as etapas da oficina. Havíamos combinado com o Vinícius que seriam necessárias duas aulas, em dois dias distintos, para a realização da oficina, considerando que cada aula tem a duração de uma hora e quarenta minutos. As oficinas poderiam ser feitas na sala de aula, pois comportavam todos os estudantes e materiais necessários. No primeiro dia os estudantes deveriam intervir, em um primeiro momento, no mapa da cidade. Para isso, decidimos que seriam formados dois grupos. Já que a turma era formada por aproximadamente 30 estudantes, cada grupo seria composto por, em média, 15 estudantes. Uma das reflexões levantadas momentos antes da ida à escola neste primeiro dia foi a de qual seria a melhor maneira de dividir os grupos, pois pensamos que não seria do agrado dos estudantes se nós dividíssemos os grupos de acordo com nossa vontade, assim como achamos que se deixássemos a divisão por conta deles poderiam ser formados grupos dos estudantes mais próximos, sendo que uma das propostas da oficina era o diálogo entre a pluralidade de ideias e visões individuais de mundo. Por isso, pensamos em uma maneira de dividir os estudantes de acordo com uma dualidade de identificações, em que cada metade pertencesse ao grupo que mais se identificasse de acordo com as sugestões levantadas. O que pensamos para o momento, já que estávamos trabalhando com a ideia de cidades, foi perguntar a eles quais cidades eles mais tinham interesse em visitar. As cidades que mais foram mencionadas foram Paris e Miami. Assim, uma parcela dos estudantes compôs o grupo “Paris” enquanto a outra parcela compôs o grupo “Miami”. Esse método de divisão que aplicamos tinha como objetivo apenas realizar a divisão de grupos. Contudo, sem que esperássemos, a identificação foi incorporada por alguns estudantes em suas atividades na oficina, algo que gerou reflexões sobre o decorrer da atividade. Após a divisão dos estudantes, cada grupo se direcionou para um lado da sala, onde foi projetado o mapa da cidade sobre uma cartolina grande colada na parede. Os projetores e computadores que utilizamos foram disponibilizados pelo Departamento de filosofia, sob responsabilidade da professora Priscila. Como uma das nossas intenções era de deixar os alunos livres para desenvolverem a atividade da maneira que achassem melhor, levamos quatro possibilidades de representações cartográficas a serem projetadas para que cada grupo pudesse escolher a que mais lhes agradassem para intervir. Três dessas representações foram retiradas do Google Earth, focando na cidade do Paranoá e demais regiões que fazem fronteira. Uma quarta opção foi apresentada que consistia apenas em uma representação dos contornos das fronteiras entre as regiões administrativas do Distrito Federal, mas esta foi descartada pelos estudantes. Uma vez escolhido o mapa e projetado sobre a cartolina, foram dispostos aos grupos alguns materiais básicos para começarem suas intervenções artísticas nos mapas, como por exemplo, canetinhas, giz, tinta, pincéis, revistas, tesouras, cola, papéis coloridos, etc. Como um direcionamento inicial, orientamos os alunos a contornarem a região do mapa que gostariam de intervir, e por seguinte, registrassem as estruturas existentes em sua cidade, como por exemplo a escola, o lugar onde moram, os lugares que costumam frequentar, etc. Além disso, pensando no existente, deveriam pensar também naquilo que sentem falta em sua cidade, acrescentando esses elementos e transformando o mapa da forma que achassem mais apropriado. Boa parte do tempo deste primeiro dia de oficina foi destinado a esse momento de discussão entre os membros de cada grupo e intervenção no mapa, o que agradou muito os estudantes, pois gostaram de representar e alterar artisticamente o mapa de sua cidade. Após esse momento, já no final da aula, pensamos em ler com os estudantes três trechos de alguns textos selecionados para incitar a reflexão sobre a cidade e a utopia, e que serviriam de apoio teórico para as atividades do segundo dia de oficina. Os trechos selecionados foram os seguintes: a introdução do livro Utopia de Thomas More na edição da editora Martins Fontes, de autoria dos organizadores George Logan e Robert Adams (2009) que elucida etimologicamente o termo “utopia”; um trecho da entrevista com Lucio Costa sobre a construção de Brasília e sua relação com as cidades do entorno (1995); e por fim um trecho da Carta de Atenas sobre quais elementos são essenciais para pensar uma cidade moderna (1933). Apesar do que havia sido programado, percebemos que os estudantes estavam muito engajados na intervenção dos mapas, e por isso decidimos na hora que seria melhor reduzir o tempo de leitura dos trechos para que pudessem trabalhar mais com os mapas, visto que o tempo de aula não era o suficiente para uma plena elaboração das intenções dos estudantes. Assim, faltando apenas alguns minutos para o fim da aula, pedimos para que os estudantes concluíssem as intervenções no mapa e fossem para seus lugares. Rapidamente, distribuímos para cada um uma cópia de cada texto e orientamos que os lessem para o dia seguinte, pois seria essencial para a continuidade da oficina. Por sugestão do Vinícius, pedimos aos estudantes que recortassem os trechos, que eram relativamente curtos (um parágrafo), e os colassem em seus cadernos, pois, posteriormente, receberiam um visto do professor de atividade feita, como uma forma de garantia de que os trechos fossem lidos ou, no mínimo, guardados.


Como o nosso projeto está diretamente vinculado ao projeto “A quem pertence a cidade?”, havíamos combinado com os integrantes do grupo do projeto e com o professor Vinícius que eles participassem da oficina em algum momento. Portanto, além de nós, participaram também no segundo dia de oficina as professoras Gláucia e Priscila, e os discentes Dayane Cristina Ferreira e Lucas Noronha. Todas membros do grupo de extensão. Quando chegamos na escola, os membros foram apresentados aos estudantes e explicamos brevemente o trabalho do grupo. Para o segundo dia, havíamos pensado em retomar, de início, o trabalho com os mapas. Porém, por conta do imprevisto do dia anterior em que tivemos que suprimir o tempo de contato com os textos selecionados, decidimos em última hora iniciar a oficina discutindo com os estudantes sobre os textos. Constatamos que alguns alunos haviam recortado e colado os trechos em seus cadernos, outros estavam colando na hora. Como não tínhamos nos preparado para esse momento, pois a ideia inicial era ler os trechos junto com os estudantes, tivemos um pouco de dificuldade em conduzir a discussão. Poucos alunos pareciam ter lido e a maioria estava tendo dificuldades em entender seu conteúdo. Por isso, tentamos realçar junto com eles os elementos mais importantes dos trechos e o que eles haviam considerado como mais relevante. Passado esse momento, os estudantes voltaram a intervir nos mapas, porém com algumas diferenças do dia anterior. A principal delas foi a troca dos mapas, isto é, um grupo passou a intervir no mapa do outro grupo. A nossa intenção era que os estudantes, com o apoio teórico dos textos selecionados, pudessem expandir a capacidade imaginativa levando em consideração as reflexões sobre utopia, assim como pelo fato de estarem intervindo e transformando um conteúdo que já se tratava de uma transformação ideal da realidade concreta. Por isso, não foram necessários os projetores e computadores no segundo dia. Quando anunciamos a segunda proposta de intervenção, agora com os mapas trocados, de início não foi bem recebida pelos estudantes, pois eles achavam que voltariam a atuar no mapa feito por eles no dia anterior. Porém, no decorrer da atividade foram se animando em entender e criticar as propostas do outro grupo, e se sentiram empoderados em alterar, ou até mesmo anular, algumas das ideias contidas nos mapas. Para o segundo dia, além da intervenção nos mapas, havíamos pensado em realizar um debate entre os dois grupos, para que pudessem discutir alguns pontos e defender seus posicionamentos. Por sorte, a aula que se seguiria após o horário destinado para a oficina havia sido cancelada pela professora que estava de atestado médico, e por isso, combinamos com o Vinícius e com os estudantes em estender o tempo da oficina para que pudessem intervir à vontade no mapa e, ainda assim, reservar um tempo considerável para o debate. O debate foi gravado e filmado pela Gláucia com a autorização por escrito de cada estudante e seus responsáveis.



Por fim, percebemos que o tempo destinado para as oficinas foi curto, considerando a quantidade de atividades e a necessidade de se delongar em cada uma delas. Por isso, não houve tempo de discutir com os estudantes sobre o que eles acharam das oficinas, elemento fundamental para o nosso processo de formação à docência. Para solucionar essa falta, na semana seguinte da semana das oficinas levamos um questionário elaborado por nós para cada estudante, contendo quatro perguntas norteadoras para compreendermos o que cada um achou e o que foi refletido. As questões que elaboramos foram as seguintes: “1. Como é a sua relação com o Paranoá? Você gosta a sua cidade?; 2. Como você descreveria sua experiência com as oficinas? Na sua opinião, quais foram os pontos positivos e o que precisa ser melhorado?; 3. Você se sente como fazendo parte do Paranoá? Se sim, de que forma isso acontece? Quais medidas você propõe para tornar a sua cidade ainda melhor?; 4. Na sua opinião, a nova cidade desenhada por sua equipe é muito diferente da cidade atual?”. Os estudantes responderam os questionários em aproximadamente vinte minutos e nos devolveram, retomando em seguida à continuidade da aula do professor Vinícius. Uma das estudantes veio nos notificar que a terceira questão estava mal formulada e, portanto, sem sentido. Com razão, corrigimos a questão na hora explicitando o que estávamos perguntando, isto é, “Você se sente fazendo parte do Paranoá? Se sim, de que forma isso acontece? Quais medidas você propõe para tornar a sua cidade ainda melhor?”.


Durante os dias de oficinas, além dos imprevistos e dos encaminhamentos espontâneos por parte dos estudantes, alguns pontos nos chamaram atenção, como por exemplo: após esclarecida a nossa proposta de oficina no primeiro dia, a maioria dos estudantes ficou sem saber o que fazer ou como começar. Aos poucos foram explorando os materiais que levamos e começaram a intervir no mapa. Concomitantemente, dois estudantes, um de cada grupo, assumiram a liderança independente da opinião dos outros e, além de terem iniciado os desenhos no mapa, foram os que mais produziram efetivamente. Não discutimos muito a respeito desse fato, mas nos levou a pensar a relação entre as dinâmicas sociais dentro e fora das oficinas. Por exemplo, um deles se mostrou ser um dos mais estudiosos da sala, pelo menos nas aulas de filosofia, e a outra se colocava no papel de porta-voz da turma, ou até mesmo aquela que sempre faz piadas nas aulas. Ambos são comunicativos em sala e expressam suas opiniões. Outro reflexo que constatamos foi que o grupo liderado por esse estudante mais estudioso se mostrou mais criativo, no sentido de fantasiar mais possibilidades para o mapa da cidade, como por exemplo, em um momento, me foi questionado pelo grupo se a cidade deles podia ser um país independente. Respondi que eles estavam livres para imaginar a cidade da forma como achassem melhor, e assim transformaram a cidade deles no país “Lake Stop in the Air”, com uma bandeira própria, aeroporto, rios para navegação, captação de energia solar, etc. O modo como operaram a construção do mapa era pelo consenso, em que todos estavam cientes das intervenções no mapa e quando alguém discordava ou gostaria de propor algo era aberto à argumentação e ouvido pelos outros. Enquanto que o outro grupo, liderado pela estudante mais “piadista”, não se permitiu fantasiar tanto e era mais pé no chão, às vezes até pessimista, como representa o slogan da cidade escrito no mapa, “Sempre pode piorar”. No mapa deles, uma das intervenções que mais se destacou como inovadora foi a criação de pontos específicos de “uber”, inclusive de um exclusivo para uma rota que não tem um trajeto regular de ônibus e que leva a uma área em que uma das integrantes do grupo mora. Neste mapa houve menos intervenções em comparação com o outro, assim como a interação entre os integrantes era mais conflituosa e, por isso, menos participativos. Outra questão que ficamos pensativos a respeito foi a da identidade que boa parte dos estudantes assumiu quando fizemos a dinâmica de divisão de grupos, sem que esse fosse o nosso intuito. Alguma das consequências dessa identificação foi uma certa competitividade criada entre os grupos, como se o que estivesse em jogo fosse a disputa entre dois times para atingir os melhores resultados. Em vários momentos essa disputa se manifestou, por exemplo, no primeiro dia um grupo ia periodicamente verificar o andamento e as ideias do outro grupo, às vezes para criticar o outro ou o próprio grupo. Já no segundo dia, com os mapas trocados, uma das integrantes do grupo formado pelos que prefeririam Paris, a mesma que assumiu a liderança do grupo, desenhou várias torres Eiffel no mapa do outro grupo, que estava sendo trabalhado pelo grupo dela.



O resultado final das oficinas foi muito positivo, tanto para os estudantes quanto para nós. Fomos muito bem recebidos pela escola e pelo professor Vinícius, que ficaram muito contentes com o projeto e nos convidaram a voltar à escola e levar o projeto a outras turmas, não só de terceiro ano, mas aos outros anos também. Os estudantes ficaram muito satisfeitos com a oficina e pensativos em relação à cidade Paranoá, bem como ao que os seus colegas pensam a esse respeito. A sensação que ficou para nós foi de trabalho cumprido e empolgação para dar continuidade ao projeto.

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