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O sonho em um mundo polarizado, reflexões sobre a oficina CEMEB - Elefante Branco, maio de 2019

Antes de qualquer coisa gostaria de parabenizar o projeto A quem pertence a Cidade ? pela oportunidade de debater em sala de aula questões importantes sobre o imaginário do sujeito na cidade e o seu ideal de progresso no território. Nota-se uma conexão entre os textos propostos no curso no que diz respeito às tentativas de definir progresso e na análise da relação do indivíduo com a sociedade e às leis que o cerca.









Essa conexão, ao meu entender, é amplamente trabalhada nas oficinas e na condução do trabalho com os alunos nas escolas. Primeiro porque pedimos aos alunos para desenvolver no mapa um “lugar melhor”; uma “cidade perfeita”, segundo, porque, na defesa dos mapas, incentivamos o debate de como eles se veem na cidade onde vivem e como se veriam nas suas utopias.


No dia 07 de maio de 2019 levamos a oficina ao Centro de Ensino Médio Elefante Branco (CEMEB) e ali notamos alunos engajados em questões complexas da sociedade e com um ideal político e social bastante definidos, muitas vezes transparecendo a polarização política que vivemos hoje.


Os efeitos da polarização ficaram claros nos dois grupos trabalhados na turma de terceiro ano, pela manhã. O grupo azul foi formado por rapazes, em sua maioria, que apesar de estudarem em uma escola pública com um padrão alto de estrutura e de ensino, defendiam uma sociedade de mercado, onde não havia serviço público gratuito e que seria comandado por empresas capitalistas, em resumo, defendiam o anarco-capitalismo. O grupo vermelho era formado em sua maioria por meninas, que defendiam uma sociedade de bem-estar social onde, segundo elas, “o socialismo deu certo”. Uma sociedade de políticas públicas de qualidade e que busca a igualdade de direitos, inclusive de minorias.


Dentro do segundo grupo, numa espécie de “puxadinho”, estava o Ricardo que, insatisfeito por ter sido excluído, criou seu reinado dentro do mapa vermelho. Sobre ele discutiremos mais tarde.



Essa polarização entre grupo azul e vermelho não é uma coincidência, mas um espelho da sociedade brasileira, dividida entre direita e esquerda, conservadores e progressistas. Afinal as “crianças” estão inseridas nesse contexto e são diretamente influenciadas por esse novo imaginário, que indiretamente domina o pensamento e conduz o sujeito por um caminho de falsas liberdades de agir e pensar, causando um bloqueio da imaginação de novas políticas e ciências.


Existe um bloqueio na imaginação da utopia e o progresso proposto fica prejudicado. Ao criarem os mapas, as “crianças” esbarram nas carências vividas em suas cidades e o que deveria ser a proposta para um novo tornasse uma tentativa frustrada e rasa de corrigir suas necessidades, muitas vezes individuais. A crítica rasa não ocorre por falta de conhecimento ou capacidade cognitiva, mas porque os alunos, assim como nós, estão tão enraizados na dominação causada pela naturalização do sistema vivido, que se tornam vítimas da deficiência de imaginar sua existência social.


Ao defenderem os mapas eles propõem “escola pública de qualidade”, “uma sociedade sem preconceito”, “empresas desenvolvidas” influenciados pelos discursos recebidos, mas não avançam quando são perguntados como fazer isso.


O império do Ricardo, levado pelo humor, tragicamente foi o único que apresentou início, meio e fim. Ele propôs uma terceira via dentro da polarização: uma monarquia governada por ele. E quando questionado sobre o funcionamento da sua cidade respondeu sabiamente às perguntas. Ele propôs uma monarquia onde seria rei e seu país seria sustentado pela exploração de pedras preciosas. Os trabalhadores não teriam acesso à educação, que seria restrita à realeza, que por sua vez estudaria para melhor servir o povo.


Para nós, que somos filhos da revolução, esse imaginário é tratado como um retrocesso, um crime contra o Estado Democrático de Direito e os direitos humanos. Nossa sociedade “democrática” e “livre” é a ideal. Mas será?


No final da oficina, uma colega perguntou a um dos alunos: “Você se sente pertencente à cidade onde vive?”. O choque do aluno diante da pergunta, e o impasse dos colegas em como desenvolver suas ideias, evidencia um bloqueio do imaginário social e da associação do indivíduo com o meio.


Se não nos sentimos pertencentes à cidade e da cidade, então a quem ela pertence? Quem dita a regra do jogo que jogamos e que insistentemente nos coloca como protagonistas sendo que na realidade não somos?


Ricardo se sente pertencente à cidade que criou, até se autoproclamou rei, e enquanto não tomarmos posse do ambiente social e da pólis essas perguntas ficarão cada vez mais difíceis de serem respondidas, e alguém ou algo tratará de responder no nosso lugar, da maneira como não gostaríamos.


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