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Os lugares e o sagrado, texto produzido a partir da oficina Religião e território, abril 2019

Hoje vivemos em um mundo dessacralizado. Mas nem sempre foi assim.



Desde os tempos imemoriais o homem reservou lugares e tempos privilegiados para o encontro com o sagrado. Embora o mistério se dê por toda a parte e a todo o momento, o homem precisou destacar alguns lugares e alguns tempos, em que ele pudesse se concentrar no encontro com o sagrado. E isso aconteceu junto com a própria humanização do homem.





Junto do fogo os nossos primeiros ancestrais encontraram um modo de estruturar a vida. Junto do fogo, eles compreenderam a dinâmica de concentração e de expansão da vida. Junto dele, os mundos da experiência e da ação, do conhecimento e da socialização encontraram um centro. Interioridade e exterioridade surgiram.


Quando o homem era apenas um caçador, as cavernas foram um espaço que celebrava, pelas pinturas, a magia da relação entre o homem e os animais. A terra era mãe e o homem, com os demais seres vivos, filhos. Surgem os xamãs: médicos, magos e sacerdotes que, pela dança e pela música, conduziam os homens ao êxtase. No êxtase o homem experimentava o extraordinário de sua relação ordinária com os animais. Neste tempo o homem experimenta alma e espírito como novas dimensões de si mesmo.


Cultivando plantas o homem se plantou na terra. Tornando-se íntimo dos mistérios da vida e da morte, do nascimento, do morrer e do renascimento, o homem foi além da arte, e descobriu a religião. O homem aprendeu a cozinhar e a tecer. Inventou experiências de iniciação. O trabalho passou a ser forma de vida. O tempo se impôs. Surgem os calendários. É ainda o tempo da Grande Mãe. O homem formam ídolos em forma de viola, desenham olhos que indicam espíritos em vigia, etc. Surgem os mitos. O homem experimenta a culpa. Sente-se expulso do paraíso. Ao mesmo tempo, cria altares, onde faz suas oferendas aos espíritos.


Levantando pedras, o homem ergueu-se a si mesmo. Temos ainda testemunhos desse tempo nos menires, nos dolmens, nas pirâmides. Construindo túmulos, o homem pressentiu o além e, com ele, o absoluto. Descobre-se a escrita. Nos obeliscos o homem grava suas mensagens. Portas nas construções de pedra falam dos rituais de passagem. Pedras erguidas funcionam como guardiões dos lugares. Com a pedra, vem a cidade, a lei, o absoluto. Surgem os deuses das cidades. Erguem-se templos: lugares destacados para os deuses.


Na Grécia, cada cidade tinha o seu deus e cada deus sua cidade. No alto da cidade (acrópole) se cultuavam o deus da cidade. No plano, na ágora, a vida histórica se desenvolvia. Surgem as assembleias e a democracia. A cidade era ambas as coisas: o alto e o plano, o jogo das decisões humanas e das destinações dos deuses. Com a cidade se realiza a comunhão entre os cidadãos, mas também se dá a exclusão dos não cidadãos.

Os cristãos se reuniam, primeiramente, nas catacumbas, junto dos corpos dos mártires. Depois, quando o cristianismo deixou de ser clandestino, construíram-se as basílicas, em forma de cruz. Ergue-se o projeto de poder da Cidade de Deus. Só com o tempo, através da Idade Média, é que o Cristo assume de fato a morte e o sofrimento na cruz, nas catedrais góticas. O infinito se finitiza. O finito e pobre da experiência humana se reveste de dignidade. Deus se mostra como homem sofredor e terna criança. Surge novo céu e nova terra. As rosáceas das catedrais góticas celebram o mistério da criação, bem como o paradoxo da Virgem Mãe. O universo se torna corpo de Deus.




Com a modernidade, as tensões no cristianismo chegam ao seu máximo. Perdendo o seu centro, os partidos contrários se enfrentam, com violência, nas guerras de religião, que dilaceram a cristandade europeia. Cristianismo petrino e paulino, lei e palavra, vontade e entendimento entram em conflito no seio da cristandade europeia. É a luta entre catolicismo e protestantismo. Os homens, então, buscam formas de convivência civilizada e tolerante entre as religiões. Ao mesmo tempo, surgem as ideias de sociedade civil, de cidadania universal e vontade comum. As cidades acolhem em seu seio estas contradições e o anseio de entendimento recíproco.


O Brasil é o cruzamento de vários caminhos das humanidades da Terra (ameríndias, africanas, europeias, asiáticas...). Seu desafio é o de construir uma identidade comum em que as diferenças são acolhidas e a igualdade fundamental seja respeitada. ojeHoSomos hoje desafiados a um habitar co-criativo com a natureza, bem como a um conviver que acolha a diversidade dos caminhos de humanização e dos modos de crer dos povos. Somos desafiados ainda a inventar uma economia ecológica e ecumênica, em que tudo e todos encontrem seu espaço, seu habitat, seu abrigo. Somos desafiados também a respeitar a experiência da poética da linguagem dos poetas e dos profetas. Somos provocados a imaginar e pensar uma cidade em que os bens coletivos sejam mais bem cuidados que os privados; em que a gratuidade valha mais do que a utilidade; em que as pessoas sejam tratadas como fins e não como meros meios; em que a fraqueza e a ternura da vida sejam protegidas; enfim, uma cidade em que o homem saiba não somente fazer, mas fazer-se, isto é, criar-se a si mesmo, suas formas de vida e de convivência, em consonância com o mistério da Vida.




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