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Imaginário político nas escolas - algumas imagens, experiência na CEM 02, Brazlândia, junho de 2019

Anhangabaú

Estes meus parques do Anhangabaú ou de Paris,

onde tuas águas, onde as mágoas dos teus sapos?

“Meu pai foi rei!

– Foi. – Não foi. –Foi. – Não foi”

Onde as tuas bananeiras?

Onde o teu rio frio encanecido pelos nevoeiros,

contando histórias aos sacis?...

Meu querido palimpsesto sem valor!

Crônica em mau latim

cobrindo uma écloga que não seja de Virgílio...

(Mário de Andrade, Paulicéia desvairada)



Esta reflexão partirá de uma análise conjunta das imagens e trechos propostos pela professora Priscila Rufinoni durante o curso Metodologias do ensino de filosofia e outros textos a serem citados, a fim de integrar os conteúdos como um só. Além disso, levará em conta, também, a experiência em sala de aula, na oficina do Colégio de Ensino Médio 02 (CEM 02) em Brazlândia, contando ademais com a visão de mundo da autora desse escrito acerca do tema Utopia.







Para nos situarmos melhor no contexto de um imaginário político, faz-se necessária uma explicação sobre como tudo começou. A noção de Utopia começou em meados de 1500 com o livro de Thomas Morus (ou More – variando nas traduções), que dentre tantas ocupações era Filósofo e Advogado, também nomeado como chanceler no reinado de Henrique VIII, na Inglaterra. E talvez por excelência dessas duas profissões, Morus tenha elaborado este conceito tão singular e diferente. A etimologia da palavra utopia origina-se do grego e recai sobre o entendimento de um lugar que não existe de fato: OU (não) + TOPOS (lugar).

A proposta de Morus era a elaboração de uma sociedade perfeita com valores realmente cívico-morais e com senso de fraternidade, onde o bem era unicamente em prol do povo e isto não era um esforço. Essa sociedade localizava-se em uma ilha chamada Utopia. Entretanto, apesar de despertar o melhor do senso de comunidade, Morus conhecia o motivo que inviabilizava a concretização desse sonho: os vícios do homem; assim, a ideia da sociedade perfeita, nunca passaria disso: apenas uma ideia.

O livro de Morus foi só foi publicado, na Inglaterra, postumamente em 1550, após a execução do autor ordenada pelo rei Henrique VIII ao qual servia como chanceler. Assim como O príncipe, de Maquiavel, a Utopia fazia intrinsecamente uma crítica tanto à governança europeia, quanto aos cidadãos que compunham tal sociedade.



Ambrosius Holbein


Holbein foi um artista que nasceu em 1494 no sul da Alemanha e foi o encarregado de produzir a arte da capa de uma das primeiras edições (em 1518) do livro Utopia de Thomas Morus, e morreu pouco tempo depois desta produção. Entalhada em madeira, a xilogravura possui diversos elementos “escondidos” na imagem e desenvolve um mapa que representa a ilha utópica de Morus, que parece estar distante de tudo e longe do alcance de qualquer um. E, de fato, não haveria representação melhor, uma vez que a ilha realmente não estava disponível para todos, pois a entrada liberada a todos, liberaria também os vícios mundanos e pessoas com “síndrome” de juiz da própria causa.

Ademais, essa noção de distanciamento da realidade também estava presente na oficina da escola de Brazlândia, concomitante à ilha, os estudantes que participaram da elaboração de um mapa sobre a própria cidade, não conseguiam se distanciar da sua realidade, a ponto de não conseguirem imaginar outra forma de sociedade; podíamos perceber entre eles, uma certa descrença sobre a aplicação de um mundo ideal: estavam sempre presente grandes núcleos de segurança, como exércitos e grandes pelotões de polícia. Mesmo insistindo que aquela era a criação de uma cidade perfeita, onde poderiam ter tudo que eles quisessem, os alunos afirmavam que, apesar de ser uma ideia da cidade perfeita, as pessoas, infelizmente, não o eram. Os alunos não conseguiam imaginar outra realidade em que não houvesse violência.




J. J. Grandville


Jean Jacques Grandville foi um artista francês, muito reconhecido por suas caricaturas e cartoons que misturavam características de animais em humanos de um modo futurístico, que sugeriam, porém, um retrato da sociedade atual da época. Suas imagens trabalhavam com um ideal imaginário, assim como na imagem ao lado, que chama-se Pont Interplaneté. O desenho de Grandville representa o projeto da maior utopia possível, que é da hiper-indrustrialização, capaz de alcançar outros planetas.





Este trabalho “profético” de Grandville caminha junto à definição do professor de Filosofia, Massimo Cacciari sobre a Utopia, em seu livro Ocidente sem utopia: “a utopia é essencialmente a ideia de um envolver-se da história em direção a um futuro” (CACCIARI, Ocidente sem utopia,

E, como na oficina, as ideias que os alunos colocavam no mapa, existiam na forma de um desejo, uma profecia, que pode ou não acontecer; porém, apesar de estarmos partindo dessa progressão racional que legitima a utopia, esse projeto moderno pode ser visto também como um projeto político que se localiza em um dado espaço-tempo.







Mário de Andrade

Mário nasceu na cidade de São Paulo em 1983 e trabalhou no meio das artes como musicista e dramaturgo, reconhecido como um dos precursores da poesia moderna brasileira.


Mário nasceu na cidade de São Paulo em 1893 e trabalhou no meio das artes como musicista e dramaturgo, reconhecido como um dos precursores da poesia moderna brasileira.


Em seu poema Anhangabaú, ele expõe algumas situações desnecessárias sobre sua cidade natal, São Paulo, que vive (e sempre viveu) dentro de uma utopia estrangeira. Mario de Andrade nos faz entender que não precisamos “dar asas” ao estrangeirismo, nem espelhar-se sempre no “sonho americano”, sendo que aqui dentro temos muito potencial.




O título do poema “Anhangabaú” é uma palavra que originou-se do Tupi-Guarani e significa algo próximo à “água suja”. O escrito de Andrade remete uma “retrotopia”, onde o poeta sente saudade de um tempo que já passou e critica os monumentos de São Paulo, que se fazem à semelhança europeia e com recortes de elementos de outros países ao mesmo tempo que conserva uma visão interiorana; tal como um pseudo-progresso, que fundamenta uma cidade de ouro presa ao passado, da mesma maneira que Bauman expõe em seu livro Retrotopia: assim, a cidade moderna se constrói sobre uma utopia perdida, uma atual expressão de uma cidade “pra inglês ver”. (BAUMAN, Retrotopia, 2017).


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