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Apontamentos sobre a oficina A cidade sem cidade

"Perdemos nossa autonomia em sala de aula. Não é nosso planejamento pedagógico que está sendo passado. E, pior, as aulas, genéricas, não levam em consideração as diferenças entre as cidades, as escolas O professor faz um diagnóstico para planejar as suas aulas. Essa forma não respeita o ritmo dos alunos, da turma. Acaba, também, sendo uma aula superficial para o aluno, o que não é suficiente para fazê-lo entender",

Diante da pandemia e do desafio do ensino remoto, o coletivo se propôs a pensar estratégias de atuação não-presencial, mas guardando as diferenças entre as modalidades de ensino. Uma das premissas que levamos em conta na oficina foi a especificidade da relação de cada turma de uma escola específica, de um bairro específico, com um docente e com o planejamento autônomo de suas aulas. Nesse sentido, estávamos atentos aos aspectos relatados pela professora de nossa epígrafe com respeito às aulas online criadas pelo Estado de São Paulo. Aulas conteudistas e genéricas têm uma função determinada dentro de um plano geral e podem ou não ser articuladas ao planejamento do docente. Não servem, entretanto, como substituto completo ao ensino presencial, nem mesmo se parecem com uma estrutura metodológica de EaD.


Um dos pontos centrais da distinção da EaD como modalidade é seu design instrucional próprio, pensado para estudantes abstratos, mas a partir de metodologias diferenciadas daquela da mera apresentação conteudística por modos remotos, por exemplo. As atuais atividades remotas de ensino não obedecem aos instrumentos longamente pesquisados pela EaD e, sobretudo, não foram pensadas (e nem deveriam) para um ensino mais massificado, que tem sua eficácia em alguns âmbitos, mas não em todos. Alguns órgãos, como a PUC de Goiás, tentaram mapear as distinções entre modalidade presencial, com possível uso de atividades remotas, e EaD propriamente dita:


As atividades remotas, necessárias nesse período, precisam então ser pensadas dentro de categorias emergenciais do ensino presencial. Nesse caso, a oficina procurou ainda mais marcar os laços entre os estudantes e a sua sala de aula real, substituindo os slides genéricos sobre Platão por uma vídeo aula com o professor Suelber, que faz referência a outras aulas suas e a conteúdos de seu planejamento. Aqui podemos abrir um parênteses sobre o debate em torno de uma possível padronização que a EaD, ou as estratégias massificadas de ensino remoto, podem promover. Um determinado conteúdo, que pode ser inclusive veiculado por vídeos ou textos que não são de autoria do docente, só se faz inteligível e experienciável quando está adequado ao interlocutor, quando as perguntas que suscita se elaboram a partir de um arcabouço prévio comum, construído na mediação com o professor, os colegas e a comunidade. Todas as vezes que não atentamos para essa especificidade e reutilizamos materiais pensado para outros interlocutores, percebemos que as oficinas não renderam o mesmo debate. Esse dado aparentemente simples no contexto das atividades presenciais, mostra-se central no debate atual.



Um dado importante sobre a oficina, que corrobora dados de outras pesquisas mais amplas do Inep e da Folha de São Paulo, foi a baixa adesão dos estudantes às atividades propostas. Foi proposto que os alunos assistissem ao vídeo produzido pelos integrantes da oficina, lessem os trechos selecionados de uma coletânea sobre utopia e assistissem à aula do professor. A partir desses elementos, havia uma pergunta-síntese que questionava a relação entre uma cidade ideal, construída pelo discurso de Sócrates, e a cidade historicamente constituída de forma contingente com a qual convivemos. A esse conteúdo teórico, o vídeo A cidade sem cidade acrescentava o esvaziamento momentâneo dos espaços citadinos de convívio durante a quarentena. De um grupo de mais ou menos 300 estudantes, de várias turmas de Filosofia, apenas 30 responderam, o que corresponde grosso modo a 10% dos potenciais participantes. Esse número pode ser contrastado tanto aos números de estudantes que acessam o ensino remoto, quanto à evasão na modalidade EaD. Segundo dados da Folha de São Paulo de 14 de maio de 2020:


Após pouco mais de duas semanas oficialmente no ar, o aplicativo lançado pelo governo de São Paulo para ensino online durante a pandemia de coronavírus foi acessado por 1,6 milhão de alunos, menos da metade dos 3,5 milhões da rede estadual paulista (47%).(https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2020/05/menos-de-metade-dos-alunos-da-rede-estadual-de-sp-acessa-ensino-online-na-quarentena.shtml)


Apesar de evidentemente se tratar de outro Estado e de outra rede de ensino, usamos a comparação, mesmo que com cautela, pois não encontramos dados da Secretaria de Goiás. Com a mesma ressalva metodológica, adaptando os dados que temos no momento, podemos também verificar a alta evasão em cursos de EaD tradicionais, evidentemente levando em conta que estes foram escolhidos como modalidade de estudo e que se trata sobretudo de ensino superior, cujos estudantes são, no geral, mais velhos que a média dos universitários da modalidade presencial, segundo o Censo do Inep. Ou seja, trata-se de outra realidade, de um estudante mais maduro, com acesso aos meios digitais e que escolheu a modalidade e, ainda assim, as taxas de desistência são altas. A modalidade EaD, segundo o censo Inep 2018 responde por 40% dos ingressantes, mas apenas por 21% dos concluintes, o que pode indicar uma evasão de 48%. Engajar o estudante em atividades não presenciais é um desafio, mesmo com todas as ferramentas específicas para a modalidade.



Sobre as contribuições que recebemos, também cabe uma análise. No geral, os estudantes enviaram textos curtos, de redação por vezes pouco diferente daquela das mídias sociais. Recebemos poucas contribuições imagéticas, todas de segunda mão, apropriadas da internet. Recebemos também contribuições manuscritas e fotografadas pelo celular (3 contribuições de um total de 30, ou seja, 10%), o que explicita a falta de recursos. Recebemos, ainda, poemas muito bem construídos, a partir de elementos internos à linguagem, como jogos de palavras e metáforas, e um vídeo-poema, que comentaremos em outro post. E alguns banners muito interessantes que disponibilzamos nesta postagem.




Não apenas do ponto de vista quantitativo, mas do ponto de vista da adesão qualitativa há questões que precisam ser investigadas: as respostas se aproximam do modelo de texto e de interação do ambiente online a que os jovens estão familiarizados, utilizando textos curtos e imagens escolhidas na rede. Se há dificuldades implicadas no uso de aplicativos digitais, também há muitas facilidades, tais como replicar informações rápidas. O ensino emergencial se põe então diante de uma dupla dificuldade de engajamento dos alunos, quantitativa e qualitativa.




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